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Por que você quer que seu filho seja bilíngue?

Atualizado: 23 de ago. de 2021

As respostas costumam girar em torno da importância de saber se comunicar em outro idioma e da chance de ter melhores empregos. Mas devem ir muito além...

Falar fluentemente mais de um idioma abre portas, disso ninguém duvida. E pode ser essa a principal razão que leva muitos pais a colocarem seus filhos em uma escola bilíngue. O conhecimento de outras culturas, a habilitação dos jovens para completar seus estudos no exterior e, claro, estar à frente de outros profissionais na hora de conseguir um emprego são outras coisas que qualquer pais e mães querem para seus filhos e que, sim, o estudo bilíngue pode proporcionar. Mas esse modelo de educação, que apenas recentemente foi regulamentado no Brasil, é muito mais amplo e, seus efeitos para o estudante, podem ser complexos, cognitiva, social e emocionalmente. Por isso é que antes de optar por um ensino bilíngue para uma criança deve-se considerar uma série de questões mais.


Para começar, você sabe o que é?


Nem os conceitos exatos de diferentes tipos de ensino bilíngue são claros para toda a população, então, vale a pena começar por aí, explicando que há uma diferença entre:

- escola bilíngue, que é aquela que promove currículo único, integrado e ministrado em duas línguas de instrução, com foco no desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas nessas línguas; e

- escola com currículo bilíngue optativo, que é aquela que promove o currículo em língua portuguesa em articulação com o aprendizado de competências e habilidades linguísticas em língua adicional.

Ou seja, enquanto numa escola com currículo bilíngue os alunos tem a opção de se aprofundar no outro idioma ou não, a escola bilíngue tem algumas de suas classes ministradas em outro idioma, fazendo com que, para dar um exemplo, os alunos recebam o conteúdo de matemática em português e o de biologia em inglês.


Além disso, é importante dizer que há mais de um tipo de bilinguismo. O transmitido numa escola bilíngue é um deles, mas há também as famílias em que os pais têm nacionalidades diferentes e dois idiomas são falados em casa, e o caso de crianças que se mudam de país e seguem falando seu idioma materno em casa, enquanto na escola aprendem um (ou mais) idioma(s) local(is). Em todas essas situações, uma coisa é certa: há que se considerar a idade da criança e tudo o que a adição dessa nova língua fará em seu processo de ensino-aprendizagem.


Os benefícios são claros...


Criadas em princípio para acolher filhos de estrangeiros que moravam ou estavam de passagem pelo Brasil, essas escolas passaram a cada vez mais procuradas por pais brasileiros que querem dar a seus filhos uma educação que consideram “nos padrões do primeiro mundo”. O sonho é que essas crianças cheguem à adolescência e juventude mais preparados, com possibilidade de estudar em outro país e escolher uma carreira de sucesso. E cognitivamente, de fato, o bilinguismo traz benefícios para esse caminho, como os que foram comprovados por uma pesquisa envolvendo mais de 6 mil alunos documentando vantagens, cognitivas e ambientais, associadas a ele. Algumas delas são:


Atenção e memória: a habilidade de aprendizes bilíngues em administrar duas línguas, separando o vocabulário e a gramática dessas línguas, faz com que essas crianças desenvolvam um maior controle da atenção e da memória.


Consciência metalinguística: ao serem expostas a duas línguas, crianças bilíngues possuem maior capacidade de pensar sobre elas, adquirindo precocemente a consciência de que as palavras são apenas símbolos relacionados aos seus conceitos (como que dog e cachorro são ambos conceitos para o animal).


Aprendizagem metacognitiva: por terem aprendizado de vocabulário, sintaxe, fonologia, morfologia e registro de mais de uma língua, as crianças bilíngues desenvolvem maior discernimento de seus processos cognitivos e das estratégias de sua própria aprendizagem.


Criatividade e resolução de problemas: saber alternar entre duas línguas e lidar com duas diferentes perspectivas culturais proporciona às crianças bilíngues maior desenvolvimento da flexibilidade cognitiva, e com isso a criatividade e a capacidade para resolver problemas são mais favorecidas.


Ampliação sociocultural: saber duas línguas proporciona a esse falante a possibilidade de penetrar em diferentes culturas e ter acesso a conhecimentos

não disponíveis em uma determinada língua, adentrando com mais preparo no mundo globalizado.


Mas os cuidados precisam ser claros também


Segundo a perspectiva vigotskiana, entende-se que a linguagem desempenha um papel crucial no desenvolvimento cognitivo, se desenvolve como meio de interação social e é uma ferramenta fundamental na formação de processos relevantes para a elaboração do sistema abstrato, que permite à criança organizar seu pensamento e se constituir como sujeito. Tendo isso em consideração, é importante pensar nos cuidados que se deve ter ao interferir no aprendizado de linguagem de uma criança, adicionando-lhe outro idioma.


Isso porque, quando pelo menos duas línguas estão em contato na sua sociedade, relações de poder entre os grupos etnolinguísticos influenciarão o desenvolvimento da identidade cultural da criança. E, para que ela possa se identificar positivamente com membros de outro grupo étnico, deve primeiro ver esse grupo de uma maneira positiva. E é justamente o idioma que tem valor primordial nessa relação que a criança constrói com a segunda cultura. Para Lev Vygotsky, a criança não é uma máquina vazia, pronta para receber informações que depois serão repetidas; ao contrário, ela constrói a língua e adquire valores sociais, na troca de experiências e, essencialmente, na interação.


Ou seja, se a criança não se sente confortável ou mesmo não recebe um ensino bilíngue integral, ou seja, que incentiva e preza pelo seu bem-estar e desenvolvimento como ser humano além do aprendizado de outra língua, pode haver mais consequências negativas para sua formação que as vantagens de uma promissora carreira de trabalho futura possam compensar. Em outras palavras, escolher uma escola bilíngue vai muito além de querer ou ter dinheiro para oferecer uma educação de primeiro mundo. É preciso saber se aquela criança terá a estrutura, da escola, da família e de si mesma, para que de fato essa experiência seja positiva. A ideia pode ser, por exemplo, que seu filho faça faculdade fora do país. Mas você já parou para analisar se é do perfil dele querer estudar do outro lado do mundo longe da família? Porque pode ser que não e, nesse caso, forçar só vai afastá-lo mais e mais da sonhada vida bem-sucedida...


Desordens do bilinguismo são reais


A socialização é um processo para que as pessoas tornem-se seguras, e as bases da socialização na sociedade contemporânea são: a família, o grupo de amigos, a escola e o trabalho. Portanto, se a criança não se sente segura num ambiente de ensino bilíngue, pode haver consequências, algumas delas sérias.


Segundo o linguista e antropologista americano Albert Richard Diebold Jr., o bilinguismo, quando não devidamente instruído, pode causar desordens de personalidade ou emocionais, por ocorrer simultaneamente à socialização de um grupo em situação minoritária, como é o caso de crianças imigrantes, que sofrem grande pressão para adquirir a nova língua. Mas não apenas elas. Ainda que estudando em seu próprio país, se as crianças estão aprendendo um novo idioma, uma nova cultura, e não se identificam em nada com ela, igualmente podem se fechar emocionalmente.


Uma das mais comuns desordens emocionais atribuídas ao bilinguismo é a anomia, um estado emocional complexo, envolvendo sentimentos de alienação e isolamento. Isso acontece quando, na tentativa de integrar características de duas diferentes culturas, a criança acaba por sentir que não pertence a nenhuma das culturas em questão. Esses indivíduos podem então ser marginalizados pelo restante dos alunos, e isso resulta em solidão, hostilidade, autopiedade, desorientação e medo do ridículo, podendo ainda gerar crises de ansiedade, falta de flexibilidade cognitiva e afetiva e até perda de identidade.


Os pais têm lição de casa


A primeira e mais importante é tomar essa decisão pelas razões certas. Ou seja, não considerar apenas o longínquo futuro profissional do criança ou o grande leque de vantagens que terá por ser bilíngue, mas sim ponderar: se aquela cultura acrescentará em termos de sociabilização; se ali a criança poderá aprender positivamente sobre a diversidade e o respeito a pessoas diferentes; se a criança tem algum interesse naquela outra língua/cultura/país; se ela tem bom desempenho na Língua Portuguesa primeiramente; e, principalmente se a família poderá dar o apoio necessário para que essa seja uma experiência feliz, não pesada ou causadora de medos.


Em caso positivo, ler histórias infantis, colocar músicas e filmes, usar jogos e brincadeiras no outro idioma são algumas maneiras como os pais podem criar oportunidades para estimular e incentivar a aprendizagem dessa segunda língua em casa. Também é possível criar situações que exponham mais a criança à língua, como viajar, mas isso deve ser feito de forma natural, tranquila, estimuladora e incentivadora. Outro aspecto que também é importante destacar é que muitas crianças bilíngues “travam” no desenvolvimento da fala e da linguagem não por terem algum transtorno ou dificuldade, mas sim devido à forma como o aprendizado da língua é visto dentro de casa. Ansiedade e cobrança excessiva por bom desempenho, por exemplo, podem “travar” a criança, e não necessariamente o bilinguismo.


Outra dica interessante é que, quando uma criança apresentar um “erro” no segundo idioma, não seja corrigida excessivamente, pois isso pode inibir o desenvolvimento natural da língua. Uma das estratégias mais efetivas nesse sentido é retomar/repetir o que a criança disse, mas fornecendo o modelo correto. Também é importante lembrar que “misturar” as línguas durante uma conversa (por exemplo, “Papai, where’s my livro?”) não é sinal de que a criança tem confusão ou um problema, e sim algo comum em ambientes bilíngues. Essas estratégias de incentivo podem ajudar a desenvolver a capacidade de compreensão, de expressão, o conhecimento geral e a criatividade, além do gosto pelo aprendizado. Por isso o comprometimento, dedicação e participação de todos da casa é fundamental.


Importantes aspectos para escolher a escola bilíngue


- Verificar se a escola é acolhedora, convidativa, calorosa e se ambas as línguas são igualmente valorizadas – isso vai ajudar o aluno a se sentir pertencente a ambas as culturas, e não isolado ou com anomia.


- Verificar se o modelo de educação bilíngue utilizado é antecedido por um estudo e planejamento permanente de como será realizado – estrutura, nesse sentido, é fundamental.


- Verificar se o programa de educação bilíngue tem como objetivo não apenas que seus alunos obtenham a proficiência necessária para utilizar ambas as línguas, mas que desenvolvam também compreensão e apreciação pela cultura do grupo associado à segunda língua, focando na beleza da diversidade.


Para terminar, não caia no mito de que se uma criança não aprende uma segunda língua quando é muito jovem nunca será fluente. Embora a janela ideal de aprendizagem da língua seja durante os primeiros anos de vida, crianças mais velhas e adultos ainda pode se tornar fluentes em uma segunda língua – e talvez com menos prejuízos para seu processo de aprendizagem.


Se você sente que precisa de mais ajuda para tomar a decisão de colocar ou não o seu filho numa escola bilíngue, ou se ele já frequenta esse ensino e tem apresentado dificuldades, na aprendizagem ou emocionais, saiba mais sobre o trabalho que faço com acompanhamento de educação bilíngue clicando aqui.






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