top of page
  • Foto do escritorcrisglaser

Desliga e vai brincar!

Atualizado: 23 de ago. de 2021

Não podemos evitar o acesso de crianças à tecnologia, mas controlar o tempo e propor outras alternativas é a chave para evitar doenças físicas e emocionais

Estamos vivendo uma overdose digital mundial. E que certamente foi aumentada com o confinamento, mas é algo muito mais antigo, que já preocupa pediatras, neurologistas e outras classes médicas há anos, e hoje tem uma certeza estudada e comprovada: a exposição excessiva às telas é prejudicial à saúde, tanto física quanto cognitiva e emocional. Tanto que, em janeiro de 2022, a dependência de videogames e de redes sociais se tornará oficialmente uma nova doença, ganhando o seu próprio Código Internacional de Doenças (CID). E todos os meses novas pesquisas ao redor do mundo seguem apontado descobertas alarmantes que, como pais e educadores, temos o dever de conhecer e tentar evitar em nossas crianças, o que implica uma atitude trabalhosa mas necessária: levar os pequenos para brincar REALmente, em vez de virtualmente.


Prevenir doenças que nem poderão ser remediadas

São muitos os impactos do uso exagerado de telas no cérebro e corpo humano, de qualquer idade, mas especialmente nas crianças. Um recente estudo francês chama atenção mostrando uma redução do QI (Coeficiente de Inteligência) infantil, que vem sendo impactado pelos meios digitais. O neuropediatra Rodrigo Carneiro, presidente da Associação Brasileira de Neurologia, Psiquiatria Infantil afirma que essa é a primeira vez na história que o QI de crianças e adolescentes é menor do que o da geração anterior. Ou seja, os pequenos de hoje serão menos inteligentes que seus pais, e a causa disso é que os equipamentos digitais afetam o desenvolvimento do cérebro, diminuindo as conexões cognitivas e gerando danos irreversíveis e perigosos. Por exemplo, por estarem demais em contato com a realidade 2D proporcionada pelas telas, crescem com um déficit da realidade 3D, literalmente não enxergando bem o mundo real, podendo ter dificuldade em ações simples como desviar de um objeto ou pular um obstáculo.


Além disso, a medicina oftalmológica alerta para danos irreversíveis que estão sendo causados na visão dos pequenos. Conhecida como Síndrome Visual do Computador, a SVC resulta do uso prolongado de dispositivos tecnológicos por mais de duas horas consecutivas, e tem como sinais e sintomas: sensação de olho seco pela redução do movimento de piscar; redução da produção de lágrima basal (que mantém a umidade ocular); ver imagens mal definidas, borradas ou em duplicidade; olhos ardendo, coçando e avermelhados; sensação de aumento do peso das pálpebras; e outros efeitos colaterais, como episódios frequentes de dor de cabeça pelo esforço visual, dor cervical agravada pela má postura e surgimento ou aumento da miopia – segundo a Academia Americana de Oftalmologia, em 2050, metade da população mundial será míope.


Outro termo que está sendo usado pelos pediatras para explicar um efeito da exposição exagerada às telas é o “Transtorno de Déficit de Natureza”. Como indicam pesquisas, a ausência de contato com espaços abertos e naturais, além do famoso colocar a mão na terra e se sujar, pode estar na origem de doenças e problemas como obesidade infantil, diabetes, déficit de atenção, transtornos do sono, e ainda aumentar o risco de infarto e outras doenças cardíacas. Todas palavras que assombram os pais e mães do século 21, que simplesmente não sabem como atuar em meio a um ambiente que estimula tanto a hiperconexão digital.


A solução é a contenção

Evitar é impossível, já que até a escola hoje em dia se tornou virtual. Proibir não funciona, muito pelo contrário: as crianças e principalmente adolescentes vão encarar a proibição como um desafio, e tentar escapar para a casa de amigos ou outros ambientes em que possam se conectar, criando uma dependência ainda maior. Dependência que, inclusive, traz um efeito equivalente a substâncias viciantes como a cocaína. "É difícil lidar com um sistema de recompensas tão sedutor como o que é oferecido pelas telas, pois quando o indivíduo joga e faz pontos, libera dopamina e se sente satisfeito, querendo sempre mais dessa sensação", afirma o neuropediatra Rodrigo Carneiro, lembrando que já há no Brasil hospitais que dedicam uma ala inteira ao tratamento da dependência digital como doença.


Conter o vício, portanto, não é tarefa é fácil, mas a atuação deve ser feita aos poucos, cortando gradativamente essa exposição, diminuindo o número de horas o máximo possível e o mais cedo possível, em termos de idade das crianças. Órgãos e entidades médicas recomendam: dos três aos 12 anos, uma hora diária de exposição no máximo; até 15 anos, uma hora e meia; e, acima dos 16, duas horas. Também é desaconselhada a presença de telas no quarto das crianças, que tendem a, com o tempo, usá-las “escondido”, dependendo do nível de vício alcançado. Até a recomendação de que informações sobre o assunto sejam incluídas nos materiais informativos oferecidos nas maternidades, como uma forma de conscientizar os pais e incentivá-los a tomar atitudes que reduzam o tempo de exposição das crianças a telas, tem sido feita por especialistas, na tentativa de conter não apenas os prejuízos à saúde física e mental das próximas gerações, mas também uma importantíssima, a saúde emocional.


Celular não é babá...

... mas muitas vezes é usado como se fosse. Para ter tempo para si ou mesmo, nos últimos tempos, lidar com a dupla home office + aula virtual, muitos pais acabam fazendo dos aparelhos eletrônicos um aliado para tomar conta das crianças. Acontece que essa atitude, ainda que não seja evidente e visível, causa traços de abandono nos pequenos, que, apesar de ocupados, se sentem sozinhos, o que pode ser um preditivo de doenças emocionais como a depressão no futuro. Dá trabalho, exige dedicação, mas é de extrema importância que os pais tenham mais tempo com elas e também que estimulem a prática de atividades físicas e a interação com outros adultos e crianças por meio de brincadeiras reais, não virtuais. Mesmo porque, deixando-as “brincar com o celular” sozinhas, estamos expondo-as à uma tomada de decisão que ainda não sabem fazer por si: a de ao menos escolher conteúdos digitais que favoreçam o desenvolvimento, assim como controlar as horas de jogo.


Na substituição desse suposto prazer, momentâneo, mas que pode causar tantos danos de longo prazo com o tempo, está o incentivo a atividades como o diálogo familiar, a escuta amorosa, os encontros com a turma, o esporte e, claro, o famoso “vai brincar off-line”.


Não era pra ser chato

Muitas crianças hoje em dia precisam ser “obrigadas” a largar o celular e ir brincar. E isso por si só já é um sintoma da superexposição às telas. O pediatra Ricardo Ghelman explica que algumas delas têm uma extrema dificuldade de brincar porque se tornaram dependentes da superestimulação, de jogos que fazem quase tudo automaticamente, com um simples toque, inibindo sua autonomia e criatividade. “Brincar, na vida adulta, é visto como algo pejorativo, tanto que dizemos ‘você está brincando?’. Mas para a criança é algo sério, é ‘seu trabalho’, e uma atividade fundamental para que seja um adulto emocional e cognitivamente inteligente”, diz. (Leia aqui uma matéria deste blog sobre a importância do brincar.) Além disso, segundo ele, a serotonina (hormônio liberado depois de atividades satisfatórias) que é produzida na primeira infância – e que pode ser conquistada montando quebra-cabeças, pulando uma amarelinha, subindo em uma árvore ou muitas outras atividades extra-digitais – é tão importante que pode gerar ânimo e vontade de viver em quantidade suficiente para suprir a carência desse hormônio para o resto da vida, evitando o risco de depressão na fase jovem/adulta.


Dar acesso ilimitado aos brinquedos chamados pedagógicos (jogos a base de madeira, artesanais, de montar etc.), além dos brinquedos inacabados são boas dicas, assim como de incentivar as brincadeiras que exercitam a imaginação, como o “faz de conta” – utilizando objetos como representação de pessoas ou encenando histórias, por exemplo. Outra coisa importante é deixar a criança, especialmente as menores, experimentarem tanto a brincadeira conjunta (seja com outras crianças ou com adultos) quanto o brincar sozinha. Quando a criança brinca sozinha tem a possibilidade desenvolver a autonomia, o amor-próprio, a criatividade e o autoconhecimento, já que ela terá que “se escutar” e decidir sozinha como quer divertir-se – e o ato de encontrar prazer consigo mesma também será um fator positivo para aprender a dosar a si mesma frente à superestimulação digital com que irá se deparar em outros momentos.


Se quiser conhecer mais sobre o meu trabalho como psicopedagoga e orientadora familiar, em que atendo crianças e adolescentes identificando inclusive questões de dependência digital e oferecendo a eles e suas famílias alternativas práticas para lidar com a questão, clique aqui.


19 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page